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A poética abolicionista

Batista de Lima



Lima Barreto, no seu livro Clara dos Anjos, narra as desventuras de uma jovem negra sonhadora, saída da adolescência, que é enganada por um moço branco, Cassi Jones de Azevedo, com promessas de um casamento do qual foge o crápula ao consumar seus desejos. Barreto conseguiu mostrar o nervo exposto de uma sociedade brasileira saída oficialmente do escravismo, cena a que assistiu ainda garoto levado pelas mãos do pai, mas mantenedora do preconceito social que existia antes da Lei Áurea. A luta de Lima Barreto não foi única entre nossos intelectuais, afinal muitos se envolveram em bravatas em prol do abolicionismo, muito antes do episódio de Clara dos Anjos. A classe política brasileira com a desculpa de cristalizar a independência política da nação emergente, consolidando o novo Império entre 1831 e 1862, tornou-se conservadora e escravocrata. O açúcar nordestino e o café do Sudeste temperavam uma ideologia respaldada na necessidade cada vez maior de uma mão-de-obra escrava e barata e num parlamento que criava leis rígidas que eram executadas graças ao braço armado dos militares. Todavia a pressão inglesa contra o tráfico e o fim da escravidão em outros países do continente começaram a solapar a máquina escravista do Império. Foi no entanto no meio intelectual, na classe esclarecida, onde pontificaram nomes como Joaquim Nabuco, José do Patrocínio, Rui Barbosa, André Rebouças e Luís Gama, entre outros, em que a rejeição ao escravismo criou suas raízes mais sólidas. O movimento abolicionista no Ceará envolveu além de estudantes, militares, trabalhadores livres e populares, a classe intelectual, que despontava efervescente no final do século passado. Entre esses intelectuais, há que se destacarem os poetas, com seus poemas de tom oratório, mais utilizados como veículos propagadores de idéias do que como exercício de elaboração poética. Eram poemas para interpretação, poemas de ocasião, de campanha. Condoreiros, numa imitação explícita do que fizera Castro Alves, na Bahia, esses poetas foram importantes para a abolição por não ficarem apenas nos versos e partirem para a ação, criando jornais e entidades afins, onde o objetivo abolicionista era um só. O grande poeta baiano, mesmo tendo falecido em 1871, teve seu livro Os escravos, publicado postumamente, ou seja, em 1883. Essa publicação coincide com o momento de maior efervescência da luta abolicionista dos intelectuais cearenses. Diante dessa realidade, abre-se um vasto campo para se averiguar a real contribuição de uma poética da abolição para apressar a libertação dos escravos do Ceará. No período que vai de 1880 a 1884, o Ceará esteve em permanente ebulição em torno da causa abolicionista. E não há dúvida de que nos palanques, nas associações populares, onde quer que fosse o campo de luta, a retórica dos oradores era entremeada de poesia. É pois importante a contribuição que a poesia abolicionista no Ceará teve para o desfecho da abolição. Desde o seu tom oratório, passando pela influência castroalvina até o conteúdo doutrinário de sua mensagem, os poetas da abolição tiveram decisiva participação no movimento para libertar os negros cativos do Ceará. Essa participação foi tão efetiva que esse grupo, em muitos momentos, partiu do discurso poético para o combate que ganhou expressão nas ruas. O livro de poemas mais representativo dessa época é Três liras, publicado em 1881, de autoria de Antônio Martins, Justiniano de Serpa e Antônio Bezerra. Os três são chamados de poetas da abolição e representam a terceira e última fase do romantismo cearense. Segundo Sânzio de Azevedo, ´Antônio Martins se revela mais poeta que seus companheiros de luta´. Mesmo assim, os poemas dessa fase de nossa literatura se destacam muito mais pelo aspecto panfletário de campanha e pela indignação contra a nódoa abolicionista que maculavam nossa sociedade. Além desse livro, outra fonte de pesquisas sobre o assunto são os periódicos da época, principalmente os jornais ´O Libertador´ e ´A Constituição´, porta-vozes do movimento abolicionista e das manifestações republicanas, no Ceará. Esses jornais também publicaram poemas com temática referente à campanha abolicionista. Esse material foi escrito objetivando uma mudança social, o resgate de uma condição humana vilipendiada, historicamente, pois, ele se destaca muito mais como documento social do que propriamente literário. Diante disso, tem-se que levar em contra também a situação da cidade de Fortaleza em 1880. Com pouco mais de cem mil habitantes, ainda traumatizada pelos efeitos devastadores da varíola que há apenas dois anos havia consumido um terço de sua população. Isso sem contar com os efeitos da terrível seca dos três sete (1877, 1878, 1879) que dizimou fauna e flora cearenses, semidespovoou o interior da província do Ceará e provocou o êxodo rural. Por fim, verifica-se que para o entendimento desses textos poéticos abolicionistas é importante colocá-los em diálogo com as circunstâncias que marcaram aquele momento. Pois eles trazem consigo o entrecruzamento de inúmeras vozes. Afinal, diferentes textos cruzam o texto poético.

 

05/08/2008.

 

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