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A poesia erótica de Regine Limaverde

Batista de Lima

Alcides Pinto (1923- 2008) com seu "Relicário Pornô" (2002), Roberto Pontes com seu "Memória Corporal" (1982), Hermínia Lima com "Sendas do Sacrário", de 2013, e Regine Limaverde representam a nossa poesia cearense erótica.

No caso de Regine, já há mais de um livro seu seguindo essa vertente literária. Além de "Canção do amor inesperado" (2014), sua mais recente publicação, "Dentro de mim, o mar" segue na mesma batida que o anterior, apesar de mais corajoso e mais maduro. É como se a autora tivesse eleito esse veio literário e nele fosse se solidificando de livro para livro.

"Dentro de mim, o mar" traz o selo da Expressão Gráfica e Editora, neste 2017, com 76 páginas, em edição de luxo, em que o amor é celebrado com tal finesse que o profano passa por uma verdadeira sagração. O mar, que poderia ser o tema recorrente desde seu "Mar de Sargaços", entra na poesia como metáfora seminal dos territórios úmidos que se trocam na celebração amorosa. Nesse caso, entretanto, o foco da correnteza poética da autora é seu corpo e as reações operadas no idílio. O corpo outra-se de tal forma que o significante é um só para o signo do entrelaçamento das formas.

O prefácio vem com a assinatura de Ângela Gutiérrez, da Academia Cearense de Letras. Para a prefaciadora, "Regine criou seu espaço autoral na poesia erótica, embora também venha publicando ensaio e ficção, com competência e graça".

Verdade é que, militando no ensino universitário, Regine produziu artigos e livros científicos, além de dissertação e tese de suas pós-graduações. Essa incursão pela pesquisa científica é resultante da sua formação em Ciências Biológicas.

Regine, já despontando para a maturidade, utiliza como epígrafe dessa coletânea trecho do poema de Roberto Pontes, "Por que tu não vieste antes". Os primeiros versos assim se apresentam: "Por que tu não vieste antes, / na hora desejada pelo tempo (?) Por que nos atrasamos um para o outro?" Significa que esse amor inesperado que veio florir seus dias atuais, mesmo rejuvenescedor, poderia ser mais eterno se muito antes tivesse surgido. Ela, no entanto, em nenhum momento dá pistas de quem seja esse "sujeito oculto".

Mesmo o referente amoroso sendo oculto, os poemas são explícitos, porquanto se fixam na autora. Por isso ela os divide em três blocos distintos: "Marés mortas ou de quadratura", "Marés vivas ou Sizígia" e "Salmos amorosos".

No decorrer da leitura sobre cada bloco há um crescimento do erótico em busca da citada sagração. O amor começa como produto da natureza mas, no percurso, vai tomando rumo a um divino como se o altar da celebração natural sempre fosse se encaminhando para desfechos sublimes. Por isso que no poema "Dúvida", o segundo do livro, ela afirma: "Hoje somos certeza. / O amanhã é sempre uma dúvida".

Por todo esse percurso entre a prática amorosa e a sua transformação em poema, tendo como matéria-prima a palavra, há um desgaste provocado pela incapacidade verbal de retratar exatamente o acontecido na relação. Dai a autora bradar: "Doem as palavras que sujam o papel". Portanto, a voz do amado, que é particular, montada que vem na emoção, é mais significativa que a escritura fria no papel. A palavra oral fica na mente, obrigando-a a guardá-la latente, mas no papel essa palavra está arquivada para a necessidade apenas da consulta.

Na luta que trava com as palavras, Regine Limaverde, imitando seu próprio idílio, coloca-as para se relacionarem, criando dicotomias como se formassem casais. Assim vêm: cal e cimento, fio e pavio, morte e pó, abraço e beijo, começo e fim, braços e abraços, amor e desejo, primavera e verão, ida e volta, rios e vulcões, donatário e capitania.

É possível, pois, remeter à relação do casal, cada dicotomia que vai surgindo. É muito fácil identificar, por exemplo, quem é donatário e quem é capitania, como se o corpo fosse um latifúndio em ocupação pelo posseiro. Tudo portanto emergindo da relação do casal. As palavras, pois, imitam as pessoas; ou serão as pessoas que imitam as palavras?

O erotismo, então, na poesia de Regine Limaverde, oscila entre o explícito e o implícito. Sua revelação prioritária fica muito mais a cargo do leitor. Há na estrutura de superfície do texto, que pode ser corpo ou letra, uma possibilidade de visualizar apenas o erótico. Entretanto, na estrutura profunda pode-se detectar uma catarse operada pelo amor maduro, mas novidadeiro como se uma nova juventude jorrasse na descoberta de reentrâncias desconhecidas do afeto. Tudo isso opera o povoamento de uma solidão.

Mas em nenhum momento esse fenômeno é citado. É preciso que o leitor detecte que a relação amorosa é uma metáfora em que os corpos entrelaçados encobrem o real metonímico posto escondido no mais profundo do ser da autora, e que pode ser nominado de solidão.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 22.08.2017.


 

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