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A poesia da estiagem

Batista de Lima



Há quem diga que a Literatura trabalha mais com a escassez do que com o excesso, muito mais com a seca do que com o inverno. Um sertão combusto é mais épico do que uma planície verdejante. O Ceará é um cenário propício a uma literatura da estiagem. Muitos foram os literatos que enveredaram por essa temática, como Rodolfo Teófilo com A fome, Jáder de Carvalho com seu célebre poema ´Terra bárbara´ e Rachel de Queiroz com O quinze. Seguindo essa mesma temática, chega-nos às mãos esse novo livro de Edmar Freitas, com o sugestivo título Estiagem, uma edição da Gráfica Encaixe, de 2007, com 72 páginas de poemas. O autor nasceu em Limoeiro do Norte, no inverno de 1954. Vingado ali às margens do Jaguaribe, na cidade mais poética do Ceará, era de se esperar que o rebento, florescendo ao som das violas dos irmãos Batista: Otacílio, Dimas e Lourival, enveredasse por esse mesmo caminho atapetado de versos. Seguindo o mesmo destino de outros três poetas de sua cidade e de sua geração, os irmãos Maia: Luciano, Napoleão e Virgílio, também se deixou enfeitiçar pela loura desposada do sol, vindo dar com seus costados em Messejana lá pelos idos de 1970. Em Messejana começou a fazer política e poesia. Na política tornou-se suplente de vereador e líder comunitário, benfeitor daquele bairro. Na literatura, começou em 1988, lançando o livro de poemas Janela do tempo. Aproveitou sua vocação de educador e cursou Letras, na Universidade Estadual do Ceará. Foi a partir de sua passagem pela Universidade que seus horizontes literários se ampliaram, a ponto de, em 1998, obter o primeiro lugar no Prêmio Cidade de Fortaleza, de Literatura, com o poema ´A Praça de cada um´. Esse concurso foi promovido pela Fundação Cultural de Fortaleza. Seguindo sua trajetória literária, ainda vamos encontrar os livros de poemas: Versos Jaguaribanos, 1994; Tempo: a dor da memória, 1999; Messejana um lugar mágico (História), 2000; os livros infantis A lagoa misteriosa, 2001; O porteiro da lua, 2001; O segredo das cigarras, 2001; A escada mágica, 2001; O menino que via quadrado, 2002; O gafanhoto canhoto, 2002; Os mistérios do vento leste, 2002; Mexerica e os espantalhos, 2002. Em 2003 voltou, com Poemas de amor a Messejana. No momento, pesquisa para escrever Messejana, itinerário político e administrativo. Agora, enfrentando Estiagem, o leitor verifica que em termos de criação literária, Edmar Freitas está mais para inverno frutificador do que para verão causticante. É que há textos que ´seguraram´ mesmo com o estio. Há textos em que a poética germinou garbosa quando se sabe que germinação é coisa de tempo de chuva. As orelhas do livro trazem uma explicação do autor em torno da edição do livro, alegando ele que sua preocupação primeira é com o social. E sabe-se que os problemas sociais afloram mais contundentes aos nossos olhos mais na estiagem do que na quadra invernosa. O prefácio, da autoria do Ministro do Tribunal de Contas da União, o cearense Ubiratan Aguiar, traz logo de início uma comparação do poema com o rio o que remete logo o leitor ao rio Jaguaribe. Depois, ao rio de asfalto que é a BR 116 que trouxe na sua correnteza o poeta de Limoeiro para Messejana. Esse movimento agora é invertido pois Edmar Freitas faz o percurso de volta para resgatar seu pai das profundezas da saudade, trazendo-o para o aconchego do seu coração de filho. O telurismo marca então a sua poesia centrada no saudosismo da terra natal. Essa saudade instaura o menino que o poeta foi e ainda guarda. Mas no cabedal dessa reocupação do paraíso perdido também surgem as agruras da terra, chorando por falta de chuva. O próprio poeta chega a se autoproclamar ´filho da falta de chuva´. Edmar Freitas faz poesia do solardente. É a poesia que mistura o sol que arde com o solo que queima. O sol inclemente que queima a pele da maternal terra. Nessa paisagem inclemente o que resta são ´as lembranças da sangria do Orós, refletidas em desenhos no terreiro´. No rastro da inclemente estiagem vem a tristeza da morte da vaca Baronesa, tão maternal, tão própria ama de leite, que seu nome, cada vez que aparece vem escrito com letra maiúscula. Além da vaca leiteira que morreu, o poeta canta a carnaubeira, cuja palha o vento leva junto com o sonho do vareiro. Na casa grande ficou apenas a cadeira de balanço onde o pai que partiu tem sua presença desenhada pela lembrança. Naquela e noutras casas grandes alojam-se os fantasmas das gerações partidas e a remota possibilidade de se encontrar botijas. Por não encontrar seu pote cheio de ouro e prata, o poeta transformou suas reminiscências em botijas poéticas onde tudo cabe, da sua Limoeiro a Messejana, do sol inclemente à lua maternal, do galo que canta ao pai que se encantou mas deixou seu jeito impresso nas curvas dos caminhos e nos descaminhos do destino. Só mesmo no terreno da estiagem milagreira, a saudade transfigura lama seca em sapos que coaxam. Só mesmo com o estro criador é possível verdejar campos ressequidos, transformar lua em luar, abrandar as faíscas do sol coruscante, ressuscitar a figura do pai patriarca na cadeira do alpendre ancestral. O poeta é um recriador do mundo. E Edmar Freitas está aí, restaurando o seu mundo olvidado pelos caminhos criativos da poesia. Essa poesia vem montada no aconchego da palavra escrita e poetisada. Ave palavra!

 

11/03/2008.

 

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