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A Pastoral Poética de Francisco Carvalho - I

Batista de Lima


Francisco Carvalho tornou-se uma unanimidade acintosa. É aquele velho campeão que a torcida vibra mais pela derrapada do que pelo erguer da taça. Melhor poeta em atividade na Língua Portuguesa, é mais vítima do rótulo do que da idade. Aos oitenta e quatro anos o vate tem como culminância de sua obra, Memórias do Espantalho - poemas escolhidos (imprensa Universitária da UFC, 2004).

É uma seleta dos seus melhores poemas presentes nos dezenove livros publicados a partir de Os mortos azuis, de 1971. Das quinhentas e duas páginas que compõem o livro, cento e quarenta e quatro são preenchidas com sua fortuna crítica. Então se apresentam críticos de renome e também professores universitários que o estudaram em dissertações de pós-graduação. São quarenta estudiosos de sua obra que desfilam em ordem alfabética, com as descobertas mais variadas sobre a sua poética.

São pois muitos os ensaístas que estudam Francisco Carvalho e descobrem em sua escritura, algo que não encontraram em outras estudadas. Por exemplo, quando se lê o texto de Gilberto Mendonça Teles (1998), espera-se encontrar na sua análise, alguma referência às repetições em Francisco Carvalho, uma Estilística da Repetição como ela faz tão bem com Drummond e que é farta no poeta cearense. Mas não há nenhuma referência às repetições e sim à descoberta de uma "religiosidade literária" neste poeta cearense. "Deus" está presente constantemente nos poemas de Carvalho e a análise de Gilberto Mendonça Teles é em torno desse fenômeno.

Há um detalhe técnico na confecção do livro que poderia facilitar a procura de certos poemas antológicos do poeta. É que não deveria aparecer no sumário, apenas o título do livro, mas também o título de cada poema presente na antologia com sua respectiva página. Outro detalhe que chama a atenção é que certos poemas não estão completos. Exemplo: "Ode visionária" só está presente no seu canto XII. Esse poema, juntamente com "A máquina do mundo", de Drummond, são os dois melhores poemas produzidos no século vinte no Brasil.

Isto posto, podemos dizer ainda que o primeiro poema a aparecer no livro é o Sumário. Cada título de livro de Francisco Carvalho é uma metáfora. Alinhados esses títulos ter-se-á um poema que trará a temática principal da poesia do autor: "Pastoral dos dias maduros". Nessa pastoral há um certo "preciosismo barroco... de gosto cultista", como afirma Domingos Carvalho da Silva (1983) que também não esquece de citar as anáforas quase que em excesso.

Sua mitologia poética constrói um monumento que podemos chamar de "Pastoral dos dias maduros". Carvalho elabora em toda a sua obra uma poética da maturidade. Mesmo nas suas primeiras publicações, a partir de 1956, já se instaura essa terceira idade poética. É algo "sazonado", uma permanente "solidão" incrustada em nuvens, pássaros, sonatas, mortos, visões, exílios, centauros, raízes e paisagens ceifadas. É um poeta maduro em permanente exílio até de si próprio. Há poemas em que se detecta até uma poética do pessimismo, da depressão e do desencanto. Francisco Carvalho é um poeta elegíaco. Mas canta tudo isso de forma humanizadora.

Se se quiser uma história de vida de Francisco Carvalho basta se seguir o conselho de Luciano Maia quando lhe dirige a palavra: "a biografia de um poeta são seus versos". Quando se lê essa pastoral das nuvens, dos pássaros e dos dias maduros, Russas aparece como que destino de quem busca um cordão umbilical que lá ficou perdido. Essa prospecção de um latifúndio memorialista vem banhada pelas águas de março do rio Jaguaribe, outras vezes ressequida pelas areias quentes do maior rio seco do mundo na combustão de setembro, outubro e novembro. As águas cortam no rio da terra mas são perenes na memória do poeta já que nascem da lágrima da chuva, do mar da saudade, tudo cantado em elegia.

Nessa antologia, primeiro aparece Os mortos azuis, de 1971. Não é seu primeiro livro, porque antes já haviam aparecido Cristal de memória, de 1955 e depois Dimensão das coisas, de 1966, com Memorial de Orfeu, de 1969. Acontece que é nesse livro onde aparece um grande paradoxo do poeta, e isso, no melhor poema desse seu terceiro livro. Chama-se esse poema antológico "Canção dos deserdados". Não é pelas metáforas que já dão o tom do estilo do autor em livros futuros, tipo: "sol de úlceras", "musculatura de estrelas", "esqueleto dos caminhos", "pesadelo de Deus", "cinzas de vértebras". Não, não é isso. É que nesse poema de apenas vinte versos, ainda aparece sua profissão de fé: "o verso é um braço impotente/para ajudar os aflitos". É uma incoerência do poeta ao longo de sua trajetória. Ele é casado, amante e namorado da poesia. Vive com essa Beatriz, em todos os momentos da existência e ainda fala mal da coitada. Enfeita-lhe das melhores vestimentas (metáforas), cuida dela com mimos e ainda a exibe ao público. Só pode amá-la. Mas é aquele amante que tanto ama, que fala mal da amada para afastá-la do assédio dos invejosos. Francisco Carvalho, mesmo em conversas informais, não põe esperança na poesia. Mas vive dela. É ela a razão do seu existir. É um poeta enclausurado nos braços desse fio de vida que ele vive a negar.

Oscilando, de início, entre um neo-parnasianismo latente e um neo-modernismo aliciante, conforme afirma Artur Eduardo Benevides, é a partir de "Pastoral dos dias maduros", que o poeta cristaliza seu estilo nesse livro que ao lado de "As verdes léguas", alcança seus dois momentos de culminância na elaboração poética. Pastoral dos dias maduros é o livro de uma maturidade que se instaura em toda sua trajetória literária e que leva toda a sua obra a se enquadrar perfeitamente nesse tema título. A impressão que se tem é de que o poeta já nasceu maduro, que é maduro nas raízes, na germinação. Maduro mesmo antes de ser concebido.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 17/04/12.


 

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