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A paixão de Gabriel

Batista de Lima


Tempos atrás andei escrevendo uma crônica sobre Gabriel José da Costa, o livreiro, o mecenas, o pernambucano mais cearense que se conhece. Logo depois ele me chega com o livro a ser reeditado pela Universidade de Fortaleza, e ainda solicita uma opinião. O título da obra é "Trinta cantos de amor e morte para a bem amada". A edição nova a ser preparada já será a sétima, o que comprova que é essa sua obra mais divulgada e consequentemente a mais lida.

Segundo Gabriel, esse pequenos textos, mas de profundas significações, são frutos de uma paixão adolescente cultivada quando de sua passagem como aluno interno do Colégio Marista, de Recife. Ela era aluna do Nossa Senhora do Carmo. A comunicação entre os dois era através de bilhetes jogados por cima do muro que os separava. Ambos moravam na Praia do Pina, na Capital Pernambucana, e esporadicamente se encontravam no ônibus que os transportava para suas respectivas escolas. Ela, Margarida, Dida; ele, Gabriel. Entre os dois, a paixão.

A coletânea se abre com uma frase antológica: "os que escrevem nas mentes usam pincéis de sono...". A partir dessa abertura, o leitor começa a vislumbrar imagens do "amor" citado no título e, atrelado a essa palavra, um elenco de signos voltados para esse sentimento. Acontece que a morte também citada no frontispício da antologia ali fica e dali não sai. Pode ser que essa "morte" citada esteja alojada em uma estrutura tão profunda do texto que o leitor comum não consiga alcançá-la. Isso porque esses textos de Gabriel são cantos de amor. O Eros domina, o Tânatos se esconde.

"Aurora" é o signo que melhor se encaixa no conjunto textual. Os adolescentes despontam para as coisas do amor. Os dois sonham e "ninguém enxerga a ponte que o sonhador ergueu sobre o tempo". Daí que ele conclui sua imagem: "Bem amada, que o gesto que inicias seja produto dos meus sonhos". Tão grande é a paixão entre os dois, supõe-se, que há momentos em que não são dois, mas apenas um, produto de uma imbricação dos dois. "Impossível que não saibas serem minhas as palavras que balbucias e serem meus os adeuses que atiras aos que te cercam".Há certos momentos em que o leitor sente o mesmo drama do autor, diante das limitações do código linguístico para transmitir tanta ternura entre os dois apaixonados. A subjetividade dos sentimentos não cabe na objetividade dos códigos que nos impuseram para nos revelarmos. Mesmo assim há palavras que, pelo uso repetido de poema para poema, dão uma aproximada dimensão dos sentimentos entrelaçados. Essas mais constantes palavras são: "sonho", "sono", "palavra", "tempo", "dedos", "aurora", "água" e "lágrima".

Apesar da idade tão nova do autor/personagem, bem como da amada, há momentos em que a memória emerge como se o texto fosse uma janela aberta para uma ancestralidade. "O gesto que inicio já existe no tempo (…) Que tuas mãos façam bailar imagens burlescas no espaço da memória". Essa memória se apresenta no momento da criação textual. O autor adolescente apresenta-se agora se reeditando com uma nova leitura daquele tempo, mas também reverbera no leitor que retorna a momentos similares pelos quais passou.

Nesse retorno, há imagens textuais a serem cavalgadas. São metáforas maduras para tão jovens criaturas. "Soa um distante sino: é alguém que enterra na praia gestos virgens (…) meus olhos gritam lágrimas (…) a natureza despe-se para a noite nupcial do inverno (…) tuas carícias emudecem os instantes (…) meus dedos são palavras pesadas". Como ele próprio confessa, "há maturidade na imberbe face". Essas imagens conotam uma idade que não corresponde ao tempo de vida dos actantes. Eles tanto se amam que amadurecem. Tanto se completam que se somam.

Não é, pois, possível ler esses poemas de Gabriel sem que aflorem similitudes existenciais latentes. Ele não apenas diz, ele provoca, instiga, sugere e seduz. São poemas que gostaríamos de um dia ter dito para um alguém que passou em nossas vidas. A paixão não exclui ninguém para fazer seu ninho. Ela se infiltra até nos mais frios corações e põe ovos de ternura. O que acontece é que muitos não se encorajam para transformar em palavras esse tão belo sentimento e se perdem no esquecimento e na corrosão do tempo, tão belas histórias de amor. Por isso que ler Gabriel José da Costa é encontrar-se com um homem de coragem. Um homem que soluça e chora, dissolve-se em paixão pelos caminhos atapetados pelas palavras. Escreve como quem se inscreve numa nova existência, dizendo-nos que revelar-se é elevar-se ao patamar dos voos, tornando-se superior. Afinal, só as grandes almas se desnudam pela palavra que é a mais antiga mas, no entanto, a mais eficaz ferramenta de se chegar ao outro e de se alçar às alturas.


16/10/12.


 

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