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A maturidade do Conde

Batista de Lima


O escritor Aírton Monte costumava chamar Roberto Pontes de "Conde". Talvez pela elegância no vestir, pelo comportamento comedido ou pela fala mansa, o certo é que o poeta Roberto Pontes desfilava uma certa aristocracia sem nenhuma empáfia. Esse mesmo comportamento ele demonstrava na sua poética que oscilava entre a sensualidade e o apelo social. Esse viés social patenteou-se ainda mais quando tempos atrás perfilou-se entre os fundadores do PT no Ceará. Desde os tempos do Mestrado em Literatura, na UFC, em que fomos colegas, que ampliamos nossa amizade que já vinha dos tempos em que fora Coordenador do Curso de Direito da Unifor.

Apesar dessas características, Roberto Pontes é desprovido de qualquer vaidade. Prova disso é que possuidor de uma bagagem literária com mais de uma dezena de livros publicados, de boa poesia, com Mestrado e Doutorado em Literatura, além de professor do Curso de Letras da Universidade Federal do Ceará (UFC), esse poeta não participa, não se enfeitiçou pelos encantos de nenhuma das dezenas de academias literárias do Ceará, quando se sabe possuidor de méritos para ingressar em todas elas. O único grupo literário de que se tem notícia da sua participação é o SIN que vigorou entre nós na década de 1960. São esses aspectos da vida de Roberto Pontes que o diferenciam da maioria dos escritores de nossa terra.

No ano passado, Roberto Pontes lançou seu mais recente livro de poemas a que deu o título de "Lições de tempo e Os movimentos de Cronos". É nesse livro onde uma nova temática se apresenta por conta dos signos corrosivos que ele atribui à sanha destruidora do tempo. É um livro existencialista a tal ponto que angustia o mais idealista dos leitores. O tempo corrosivo salta dos poemas e contamina o leitor a tal ponto que é preciso cuidado para se ingressar na sua leitura. O que deu afinal em Roberto Pontes para enveredar por esse caminho?

A explicação primeira que se tem é relacionada à maturidade biológica que bate às portas da sua superfície com reflexos nas profundidades. Esse clima derrotista de sua poética está enfatizado na segunda parte do livro que traz como título, "Os movimentos de Cronos". Ele começa com um oferecimento já fúnebre: "Para João Maria, meu pai, no ossuário". O leitor é então lançado nesse ossuário que invade os poemas devastados por uma corrosão. O tempo aparece com sua face destruidora sem apelação, sem escapatória.

Nessa linha existencial, ele chega a revelar no início do livro: "Querendo a vida / Eu desejava a morte. (…) Sou a sombra de mim mesmo no caminho". Mas não fica apenas em torno de si, as coisas de seu entorno também são consumidas pela destruição, "Como a rocha,/ Que/ Premida/ Fende". Essa primeira parte do livro é como uma preparação para o abismo que se abre na segunda parte, onde prevalece a inevitável derrota do ser diante da fome insaciável do tempo. É aí que vem a revolta do poeta: "Não aceitamos o cadáver que já somos".

Esse animal feroz que nos dilacera silencioso instalou-se em cada criatura no momento da concepção. Dessa fatalidade, as mais poderosas criaturas, os mais sadios seres, todos foram vítimas. É aurora condenada ao crepúsculo, a luz condenada á sombra. Diante desse estigma, o poeta afirma: "Nós não dizemos nunca que morremos./ Nós preferimos dizer é que já fomos./ Não aceitamos o cadáver que já somos/ No berço que ganhamos ao nascer". Logo em seguida ele apresenta a missão do tempo: "Destruir, derrocar, este, apenas este o teu programa,/ Que de cinzas gostas e delas te alimentas".

Em todo esse itinerário desesperançoso do poeta, só há um momento em que o tempo dá uma trégua á criatura: "As camadas superpostas da memória/ São o tempo dominado como um cão". Logo em seguida, no entanto, ele já previne: "Mas não te fies,/ Ninguém domina o tempo". Mesmo a memória não dispõe de um recurso salvador diante do veneno silencioso do tempo. Roberto Pontes, no entanto, não está sozinho nesse drama, afinal muitos poetas também se voltaram, nos seus versos, contra esse inimigo sutil, alojado na nossa existência.

Esse lado vampiro do tempo, mesmo com suas sutilezas, ativa o terror naquelas criaturas conscientes da finitude humana. Para o poeta, a saída é metaforizar esse determinismo. Daí ser importante para o leitor o contato com essas imagens que ele elabora em torno do tempo: "Ovos mortais", "flecha em voo permanente", "caminho sem retorno", "flor carnívora", "cigarra incessante em meus ouvidos", "som crepuscular no bico dos pardais", "animal feroz". Essas imagens são apenas uma pequena mostra de todo um apanhado que se pode fazer através da leitura desses poemas sombrios.

Toda essa atmosfera que transcende os poemas de Roberto Pontes caracteriza um desassossego. Isso incomoda tanto o leitor que é possível ao término da leitura, ele marcar consulta com um médico e iniciar uma bateria de exames para, pelo menos por enquanto tentar ludibriar esse inimigo oculto que é o tempo. Se isso não ocorrer, pelo menos a pessoa fica ciente de que mesmo estando parado, até mesmo dormindo, está sendo empurrado para um despenhadeiro que é o fim. Esse agente condutor, contra nossa vontade, não aceita homenagens, porque é fatal. Esses poemas nos colocam diante de uma realidade que inibe qualquer vaidade diante da vida. Ler esses poemas é saborear um finito travoso.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 04/06/13.


 

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