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A língua e a pátria

Batista de Lima


Octavio Paz, no seu livro "O arco e a lira", chega a afirmar que as nações são feitos linguísticos. Isso porque os limites de uma pátria vão até onde a língua nativa é falada. Com relação à Língua Portuguesa, sua chegada a esta terra veio acompanhada de maresia e da azáfama de caravelas superlotadas de aventureiros.

Aqui esta língua sujou-se, como diz Manoel de Barros, com a rica cultura dos nativos e dos africanos e, depois, dos imigrantes. Esse sujar-se tornou-a rica e um retrato antropológico de nossa formação cultural. Dela saltam portugueses, africanos, indígenas, europeus e asiáticos.

Hoje esse nosso português é a língua oficial de sete países: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe. Seis desses países foram colônias portuguesas que, ao se libertarem, continuaram adotando a língua dos portugueses. Com exceção do Brasil, as outras ex-colônias, depois da libertação, começaram também a ensinar às crianças, línguas e dialetos nativos. Essa atitude foi interpretada como a continuidade da libertação, posto que a liberdade não deve ser apenas política, mas em todos os setores da vida. E a liberdade linguística faz parte do processo de emancipação.

É por isso que a língua de um povo é preservada, estudada e admirada, pois, se por um lado ela nos aliena, como diz Roland Barthes, nos submetendo a um intrincado de regras, por outro lado ela nos liberta, pois é falando que alçamos voos libertários. É por isso que muitos escritores sempre devotam algum de seus escritos a esse código linguístico que lhe permite transcender para além de suas próprias dimensões. Olavo Bilac festejou-a com belo soneto, qualificando-a de "última flor do Lácio inculta e bela que é a um tempo, explendor e sepultura".

Segundo alguns críticos, o Português não é a última mas sim, a penúltima flor do Lácio, tendo em vista que, ainda segundo eles, o Romeno é que é a mais nova língua neolatina. Depois há o adjetivo "inculta" que muitos não acham. Afinal, não há língua inculta pois não há povo inculto. Por mais primitivo que seja um povo, ele possui e cultiva sua cultura. Depois, alguns não entendem bem o substantivo "sepultura" o que não vai ao caso pois linguisticamente se justifica.

Outro escritor brasileiro que faz uma apologia à Língua Portuguesa é o cearense José Albano no seu poema "Ode à Língua Portuguesa", um dos mais belos cantos ao nosso idioma. Entretanto, Saramago vê a nossa língua de uma forma mais diversificada. Segundo ele, não há uma Língua Portuguesa, há línguas em português. Foneticamente observada, notam-se diferenças sonoras bastante acentuadas entre os falares dos países lusófonos. Isso não significa que os países lusófonos não se reúnam para aproximar esses falares, para unir os países, unindo-os primeiro linguisticamente. O próprio Saramago chega a dizer que "a ruína de um povo começa pela ruína de sua língua". Por isso que se faz necessária a preservação da língua.

Não se pode, no entanto, evitar que infiltrações de estrangeirismos venham se agasalhar na nossa língua. Esses termos que se adaptam ao nosso falar enriquecem nosso código linguístico que se caracteriza pela diversidade etimológica em consequência dos povos de onde surgimos. Há puristas absolutamente contrários aos estrangeirismos, entretanto há outros que os defendem. Acontece que no mundo globalizado atual é difícil um controle dessas infiltrações.

Esses estudiosos, no entanto, têm discutido, nos últimos anos, a eficácia do mais recente acordo ortográfico da Língua Portuguesa. Desde 1990 que esse assunto tem entrado na pauta de discussões das academias, das instituições de ensino e até do Congresso Nacional. Ultimamente pouco se fala nele tendo em vista que a proposta inicial virou lei e agora os sete países envolvidos já estão cientes da sua aplicação obrigatória a partir de 2013. Será que essa reforma acaba com as diferenças linguísticas entre essas nações? Na escrita, sim. Entretanto, fonologicamente, não há decreto que mude o falar do povo. Afinal é o povo que cria seu falar.

Essa língua foi que trouxe aos meus ouvidos os rumores de minha mãe em forma de palavras. Foi no seu palco onde assisti ao grande milagre de trazer todas as coisas para o meu aconchego, apenas pronunciando seus nomes. Por outro lado ficaram me dando fórmulas de usar as palavras nos seus trajes de festa. Foram tantas regras que me deram, que muitas vezes perco a inspiração pois ao escrever duvido de algumas grafias.

Essa nossa Língua Portuguesa é bem maior que cada um de nós. Ela nos conduz do riso ao choro, da dor ao prazer, do Oriente ao Ocidente, sempre na sua placidez materna. Língua materna, língua nativa, língua nacional, é ela o portão por onde adentro o mundo da linguagem. E ingressado nesse ilimitado universo, traço o tamanho do meu mundo pelo tamanho da minha linguagem. Essa linguagem é o palco onde ocorrem todos os aconteceres da língua. Por isso quero me vestir de palavras, novas e velhas, passadas ou mal passadas e sair por aí cheirando a verbo, que é nossa língua, com o gosto da terra, que é nossa pátria.


jbatista@unifor.br

22/03/11.

 

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