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A jornada de Sávio Lemos

Batista de Lima

Um dia ele deixou sua empresa de turismo, botou uma mochila nas costas e saiu por aí. Foi parar na Austrália. Perseguia um objetivo: dar sentido à vida. Por isso vagou por vários outros países.

Trabalhou na construção civil e foi professor de inglês. Vagabundeou pela Espanha, mas de volta a Fortaleza, feito um Riobaldo, do "Grande Sertão: Veredas", virou barranqueiro, ao colocar em livro, a história de suas aventuras por estranhos mundos.

Sávio Meireles Lemos tem muito o que contar. Parte desse patrimônio construído nas suas andanças está agora narrada em "A jornada, histórias e reflexões de uma viagem sem retorno". Por que "sem retorno"? Fica essa pergunta do leitor. Acontece que um livro vale muito mais pelo que pergunta do que pelo que responde.

De 2008 a 2016 ele transitou pela Nova Zelândia, Austrália, Coreia do Sul, Espanha, Indonésia, França, Portugal, Vietnã e Tailândia. Nos seus cinco anos morando na Austrália, aprendeu em definitivo o inglês, também nas suas outras viagens aprendeu outros idiomas, inclusive o espanhol.

O importante para Sávio era aprender a conviver com os estranhos numa relação de amizade e crescimento pessoal. Afinal, nascido em Fortaleza, filho de pais professores, Sávio queria utilizar com vigor as botas de sete léguas que povoaram seu imaginário.

Sua infância e a adolescência passadas ali próximo ao Estádio Castelão, no bairro Boa Vista, não lhe proporcionaram o suficiente para satisfazer a visão de mundo que carregava no genes nômade dos descendentes dos cristãos novos.

Depois de todo esse périplo por distantes paragens, ele resolveu também levar seus circunstantes que se plantaram sedentários nos seus ninhos de nascença. Assim escreveu a história de aventuras de longo curso. Escreveu um bom livro com surpreendente técnica narrativa capaz de transportar o leitor na sua trajetória de andarilho.

É possível acompanhá-lo pelos continentes visitados, através do seu estilo fácil de escrever e da seriedade com que trata a arte de boa viagem. Sávio, além de viajante, é altruísta e não quer o mundo só para si. Por isso que sua narrativa, além de confortante, é incentivadora para que o leitor também coloque a mochila nas costas a saia pelo mundo.

Para acompanhá-lo é só voltar para 2008 e pousar com ele, aos 25 anos, numa temporada na Nova Zelândia, transformar uma van em moradia e enfrentar temperaturas abaixo de zero. Outra opção é voltar a 2011, vender o que possui e passar a viver na Austrália por cinco anos. Depois, nesse retorno, peregrinar pela Espanha, de cidade em cidade, e apaixonar-se por aquelas terras.

Em 2015, dividir-se entre Indonésia e Vietnã, viajar de canoa pelo rio Mekong. Depois, pilotando uma motocicleta, devassar os mistérios da Tailândia. Nesse percurso é importante conhecer e amar as pessoas, aprender as línguas locais, antenar-se com outros viajantes e ter disposição para enfrentar o desconhecido sem nunca perder a ternura.

Sávio Lemos iniciou sua imersão em outra cultura, morando com uma família Maori, enquanto tinha aulas de inglês. Enquanto esteve na Espanha, aperfeiçoou seu espanhol, viajou pelas cidades principais, esteve algum tempo ajudado por padres salesianos e chegou a ajudar a algumas crianças na prática do inglês. Ali foi de Córdoba a Málaga, de Granada a Valência, de Madri a Antequera e de Barcelona a Salamanca.

Entre Austrália e Espanha ainda esteve duas vezes em Seul, Coreia do Sul, tendo em uma delas, encontrado seu primo Soleiman Dias que há quase duas décadas reside naquela cidade e ocupa cargos em organismos internacionais. Soleiman possui suas mesmas origens interioranas.

Essas origens estão enraizadas no distrito de Mangabeira, em Lavras, em que nasceram os pais dos dois, professores Vicente Lemos e Dias da Silva. Esse lado nômade fez com que as famílias daquele torrão de nascimento se espalhassem por várias cidades cearenses e por diversos estados brasileiros. Talvez daí tenha surgido parte dessa vocação andarilha de Sávio e de seu primo Soleiman.

É tanto que o retorno a Fortaleza foi muito mais por conta da doença de seu pai, já recuperado de um AVC. Sua condição de filho único também influiu na decisão de voltar. Foi outro Sávio que retornou. Sua experiência de vida é exemplar para os sedentários.

Exemplar também em Sávio é sua forma de descrever os locais por onde passou. Quando descreve Santiago de Compostela, é um peregrino em contrição. Quando narra seu aprendizado de salsa, é um dançarino na volúpia de festas jovens. Esse transitar entre o sacro e o profano, sem perder o tônus narrativo, prende o leitor e torna a leitura um lenitivo para quem quer participar da aventura sem sair das páginas escritas.

Até as epígrafes que antecipam os capítulos são verdadeiras lições de estética. São dizeres de famosos pensadores viajantes e dele próprio, quando afirma: "Pessoas não fazem viagens. Viagens fazem pessoas".

Ao final desse livro de 175 páginas, editado pela Gráfica LCR, neste 2018, o leitor ainda é presenteado com uma galeria de fotos do autor com seus amigos nativos nos mais diversos locais que visitou.

Aparece em Madri, Córdoba e Granada, na Espanha. Depois, fotos na Tailândia e no Vietnã, sem contar com sua imagem ao lado do Padre Hélio Gomes no seu contato com os salesianos. São fotos que mostram a alegria dos seus alunos de inglês, seus amigos viajantes em saraus, e paisagens longínquas do oriente. Por isso que ao chegar à última página, quando Sávio revela que ao voltar ao Brasil não era mais aquele que iniciou sua viagem, o leitor também conclui que não é o mesmo de quando iniciou a leitura do livro.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 01/05/2018.


 

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