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A história de Heloísa

Batista de Lima



Daí o amor é o tema predominante. No entanto, as armadilhas amorosas vão plantando decepções que necessitam de uma catarse para que a autora delas vá se livrando. É por isso que escreve. Isso começou com o seu primeiro livro, "Coisas de Gaveta" . O auge das vivências situa-se nos anos dourados. Heloísa é um nome mítico pois já vem carregado de uma aura de mistério e presença na história da literatura. A história de Heloísa nos desperta curiosidade. Neste caso, trata-se de Heloísa Barros Leal, contando sua saga, ou mais precisamente, a história da sua solidão, do seu desencanto. Heloísa faz uma catarse ao por na escritura, angústias que não são apenas suas mas de todos nós. Daí que o título é muito apropriado: História de todas nós. O livro é povoado de contos, crônicas e poemas. Todos, no entanto, guardam uma característica intimista, o que leva o conjunto dos textos a mostrar a face lírica da escritura da autora. Para isso, Heloísa expõe sua fragilidade, canta o efêmero da felicidade, mas faz tudo isso com engenho e força, o que a torna uma criatura revestida de uma carapaça de fortaleza. Ela termina não sendo frágil, mesmo tentando mostrar o contrário. O importante é ela arrebatar o leitor da sua pasmaceira e colocá-lo no turbilhão dos seus sentimentos, alçando-o a um patamar limítrofe entre o particular e o universal. Ninguém se pertence de tanto se pertencer. Não há intimismo que não seja comum pois nenhuma alma é uma ilha e até Deus precisa do homem na salvação do homem. Heloísa precisa do leitor, dessa parceria precisa para que qualquer escritura se efetive. Seus afetos, suas saudades e angústias, suas dores de amor, tudo fica mais leve quando é dividido com o leitor. Por isso que o uso de nomes fictícios diferentes, em cada texto, é uma forma de apropriação do outro. O leitor se vê autografando um texto que não é só da autora mas de cada um que lhe adentrar os meandros da subjetividade. As imagens transbordam de nossa memória em cenas dos anos dourados, quando em Fortaleza ainda se dançava de rosto colado, sentavam-se as famílias às calçadas e o cheiro de Royal Briar inundava as soirés do cine São Luís e as missas da Igreja de Fátima. História de todas nós é um conjunto de achados de gaveta. Histórias que, se um dia foram verdes, o tempo as amadureceu. E o leitor sente-se envolvido e até revolvido em algumas delas. É um mosaico de situações, uma colcha de retalhos onde cada leitor participa com um fiapo, com um molambo qualquer na tessitura de um painel grandioso onde Heloísa está impressa com um perfil multicor de pedaços de cada um de nós. As histórias de Heloísa são histórias de todos nós. Nos comentários de Regina Lúcia Barros Leal da Silveira, sua irmã, há a classificação de suas narrativas como singulares, peculiares, irreverentes e inconfundíveis. Mas também há a revelação de que os textos exalam uma tristeza profunda diante do devastador e corrosivo tempo outonal, com a dilapidação na direção do envelhecer. Outra análise percusciente da obra é feita por Beatrice Carnielle, ao encarar como epistolar o gênero adotado pela escritora. Através desse gênero é que ela transmite para as pessoas a quem se dirige, numa escrita intimista, seus sentimentos, angústias, incertezas e fragilidades. Daí que o amor é o tema predominante. No entanto, as armadilhas amorosas vão plantando decepções que necessitam de uma catarse para que a autora delas vá se livrando. É por isso que ela escreve. Isso começou com seu primeiro livro "Coisas de Gaveta", e agora se acentua com a presente obra. Todo o foco de suas narrativas direciona-se para um inventário memorialístico. O auge das vivências rememoradas situa-se nos anos dourados que tão bem marcaram uma geração que ainda hoje se esbalda de festejá-los. Até que essa geração foi privilegiada diante da anterior e da posterior. Afinal não se tem notícia de uma geração que tanto reviva seus tempos de jovem romantismo. É por isso que despontam o Maguary, com o famoroso "Ivonildo e seu Conjunto", o Líbano, com suas tertúlias em que era possível se dançar de rosto colado, o Ideal Clube onde a fina flor da sociedade fortalezense narcisava-se passarelando-se. Tempos bons aqueles em que o aperto de mão e o primeiro beijo causavam alumbramentos. Tempos em que os interditos atiçavam a libido, em que a brilhantina com o laquê se casavam no namoro. Tempos em que o convescote no centro de Fortaleza incluía o caldo de cana com pastel no Leão do Sul, o sorvete nas Lojas Variedades, o cinema de arte do Diogo e o olhar às vitrines onde se exibiam as ofertas da última moda, e às bancas de revista para verificar se chegara o último número da revista Cruzeiro com o resultado da Misse Brasil que ocorrera no Maracanãzinho. Heloísa relembra tudo isso e se coloca no texto num misto de catarse e saudosismo. Apela para a correspondência com suas amigas e com elas divide suas angústias e saudades. Depois provoca no leitor uma cumplicidade que faz com que suas mágoas, suas dores, seus encantos, seus desencantos, suas manhas e artimanhas de viver, em busca da felicidade, toda a filosofia do seu existir, em fim, toda a sua história seja a história de todos nós.

 

01/09/2009.

 

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