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A filosofia de Afonso Banhos

Batista de Lima

Não fosse a garimpagem de Dimas Macedo, talvez pouquíssimas pessoas tomariam conhecimento da existência dos estudos filosóficos de Afonso Banhos. O resgate feito por Dimas foi editado sob o título "Afonso Banhos, ensaios de filosofia", da Editora LCR, em 2013, em edição especial, de apenas 50 exemplares. Por sorte, um desses exemplares está comigo como um desafio para sua leitura, dado o seu preciosismo de linguagem com que foi escrito. São ensaios epistemológicos em que saberes são questionados na sua essência. O autor não faz filosofia, analisa criticamente posições cristalizadas de filósofos que o ocidente socializou.

Afonso Banhos nasceu em Lavras da Mangabeira, em 1907. Depois de iniciar seus estudos em Lavras, mudou-se para Fortaleza, indo estudar no Colégio Cearense do sagrado Coração. Iniciou-se no jornalismo, depois dedicando-se ao magistério. Segundo Dimas Macedo, foi um dos introdutores, entre nós, das ideias do "new criticism" europeu. Lia assiduamente revistas filosóficas europeias e privava da amizade com os melhores escritores cearenses de sua época, como Antônio Sales, Henriqueta Galeno e Joaquim Alves. Integrou o Grupo Clã de Literatura e enveredou pelos estudos do Direito, tendo se bacharelado em 1949, pela Faculdade de Direito do Ceará, chegando a ser o orador escolhido pelos seus colegas por ocasião da colação de grau de sua turma.

Com o tempo, Afonso Banhos foi ficando cada vez mais recluso entre seus livros, na companhia dos grandes filósofos de todos os tempos. Curioso, vasculhava o pensamento dos antigos aos modernos, sempre com olhar crítico. Talvez tenha sido o existencialismo de Heidegger e Kierkegaard que mais o cativou. Daí que seria interessante nos dias atuais a edição de "Dialética e Imanência" e "Introdução à Filosofia" que ele deixou prontos e que mostrariam para os estudantes de Filosofia da atualidade como é possível ter uma visão analítica da Filosofia da História, em especial. Afonso Banhos era um simples funcionário de burocracia e um singelo professor de Matemática do ensino médio. Entretanto vasculhava a filosofia como reação ao senso comum no trato das coisas do espírito.

Para esse filósofo asceta, o admirável na Filosofia é a sua permanência, sua firmeza com que enfrenta a mutabilidade dos tempos, sempre na defesa de postulados com raízes na Grécia, especialmente em Platão, seu avatar. Numa entrevista em 1946, a Abdias Lima, ele confessa seu enclausuramento no meio dos livros, mas seu incansável viajar através da leitura. Sobre seu interesse naquele momento de estudos ele afirmava: "interessa-me, sobretudo, o problema epistemológico". Daí que se deduz de seus ensaios encontrados por Dimas Macedo que sua arqueologia em torno dos grandes filósofos levou-o a uma teoria do conhecimento. Há uma verdadeira cruzada em torno da não coagulação dos saberes, mas de seu permanente questionamento.

No primeiro ensaio do livro, "Fundamentos lógicos do conhecimento", Afonso Banhos já trata o subjetivismo como anticientífico, incapaz de deferir autêntico conhecimento. Da mesma forma que o senso comum, ele também desacredita a intuição por não levar à objetividade. Isso prova que seus estudos filosóficos em busca de uma racionalidade vão apagando as influências de sua origem rural no sertão do Ceará em que cultuava-se, ainda na época, intuições, crenças e lendas. Daí que ao passar dos anos, a matemática e a lógica vão fundamentando seus conhecimentos principalmente no arcabouço metodológico que imprime nos seus escritos. Afinal, não é um pensador de fácil leitura. Sua filosofia como crítica da ciência e o viés epistemológico em tudo que escreve leva a um hermetismo rígido.

Ao tratar da "Reconstrução da Filosofia", começa a assacar a sintaxe de superficial, colocando a verdade como reclusa na semântica. Mesmo tendo seus momentos estruturalistas, talvez não tenha deduzido o lado binário formado por significante e significado, sintagma e paradigma, o que leva á necessidade de parceria sintaxe / semântica para instauração de um sentido. Depois quando defende a sociologia parece não ter atentado que as relações sintáticas são verdadeiras lições sociológicas no âmbito da Linguística. Entretanto ele vai além do seu tempo ao propor a constituição de um pensamento estruturado o que sempre tem atormentado pensadores de primeira viagem. São essas posições de Afonso Banhos que o tornam inovador e curioso nas suas assertivas.

Mesmo não tratando diretamente da Linguagem no seu plano de expressão ele mostra suas reservas com relação a palavras que falam por si mesmas. São reservas à metalinguagem, a ponto de concluir que "o exame da linguagem gramatical vai esclarecer que essa linguagem não é a linguagem da ciência". Logo em seguida ele propõe uma reconstrução semântica da ciência, como forma de tornar "possível a coerência da correspondência entre a estrutura clássica e a estrutura nova". Essas suas colocações corajosas levam a uma conclusão que o ensaísta adota de Goblot, de que "o conhecimento, que não é científico não é conhecimento, mas ignorância". Até radical essa conclusão quando se sabe que ainda hoje o senso comum tem sua utilidade e sua defesa até por cientistas.

A partir desses estudos de Afonso Banhos e da persistência de Dimas Macedo para editá-lo, faz-se necessário não ficar por aqui na nossa curiosidade. Esse pensador da Filosofia precisa ser melhor estudado. É necessário que se saiba onde estão seus trabalhos inéditos, inclusive, dois livros prontos. Depois, uma discussão por estudiosos abalizados para discorrer sobre o espólio desse pensador. Um seminário promovido pelos nossos cursos de Filosofia, além do resgate bibliográfico de sua personalidade. É tanto que na capa desse volume editado, graças ao empenho de Dimas Macedo, há fac-simile de um texto com o título "Razão e Mito (III)" que não está no livro e merece ser tornado público. Afinal, todos esses escritos de Afonso Banhos que acabo de ler, são curiosos, profundos e merecedores de muitas leituras.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 05/05/15.


 

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