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A Fideralina de Dimas Macedo

Batista de Lima


Já existe uma razoável bibliografia em torno de Dona Fideralina Augusto Lima, a coronela mais poderosa dos sertões nordestinos. A mais recente incursão biográfica em torno de sua figura traz a assinatura de Dimas Macedo. “Dona Fideralina Augusto – mito e realidade”, das edições Armazém da Cultura, neste 2017, traz 184 páginas de fatos reais e outros mitológicos que povoam o entorno dessa emblemática senhora. O seu poder incomum, no centro de um universo marcado pelo poderio machista do coronelismo nordestino, desperta a curiosidade de quem quer conhecer um momento crucial de nossa formação social.

O pesquisador Dimas vem há anos cavoucando reentrâncias da história de Lavras da Mangabeira e sempre tropeça em novidades que remetem a essa famosa senhora. Desta feita sua prospecção remonta o ano de 1773 e se estende até 1923. Esse recorte temporal se inicia com a atuação de Xavier Ângelo, bisavô de Fideralina, e iniciador do desenvolvimento de Lavras, e vai até o assassinato de Gustavo Augusto Lima em 1923. Esse Coronel Gustavo, filho predileto da matriarca, representa a quinta geração apresentada no livro. Ao mesmo tempo representa o início do enfraquecimento político da família Augusto, vítima, em primeiro lugar de um processo antofágico em que até irmão se inimizou com irmão.

Uma das preocupações de Fideralina foi com a educação de seus descendentes. Colocou-os nos melhores estabelecimentos de ensino do Nordeste e viu muitos deles se formarem em áreas como Medicina, Direito e até no sacerdócio. Nesse aspecto, Dimas Macedo, na sua pesquisa, verifica que “Lavras da Mangabeira é pátria de cinco senadores, quatro ministros de estado, seis desembargadores, dezenove deputados estaduais ou federais, quarenta e seis sacerdotes”. Daí um dizer de alguns de que quem se banha nas águas do rio Salgado afina a inteligência. Terra de escritores, Lavras já viu oito de seus filhos ingressarem na Academia Cearense de Letras.

A pesquisa que deu origem a esse livro durou mais de uma década. O autor não ficou apenas nas consultas bibliográficas. Foi ao campo, apostou também na tradição oral e ao final deve ter concluído que muito ainda existe para ser revelado sobre a poderosa lavrense e sua cidade natal. Apesar do que foi escrito por Joayvar Macedo, Rejane Augusto, Melquíades Pinto Paiva e Emerson Monteiro, é difícil se falar de Fideralina sem remeter-se à história de Lavras. E é nesse ponto que lendas e mitos se misturam com a realidade compondo um tapete infindável de fatos.

O poderio de Fideralina, de seus ancestrais e dos descendentes foi marcante para o desenvolvimento de Lavras, mas também deixou rastros de violência que vitimaram adversários e familiares. Em cada uma das cinco gerações pesquisadas por Dimas Macedo, há pelo menos um representante da família Augusto que foi vítima de assassinato, como o pai da matriarca e o filho Gustavo. Foi talvez o assassinato do Coronel Gustavo Augusto Lima, em plena Praça do Ferreira, em Fortaleza, quando era Deputado estadual, o mais emblemático de todos. A partir daquele acontecimento, começou o declínio da família.

Para Dimas Macedo, a morte de Gustavo, em 1923, foi consequência do “Dia do Barulho”, ocorrido em 1922. Naquele dia, três representantes da família Leite, parentes dos Augustos, tombaram assassinados em plena Praça da Igreja de Lavras. Os matadores foram Raimundo Augusto e seus auxiliares. Raimundo era neto de Fideralina, e ao ter seu pai Gustavo assassinado no ano seguinte, concretizou-se a vingança perpetrada por Raimundo de Eusébio, cujo pai fora, um ano antes, um dos três mortos do “Dia do Barulho”.

Esse livro, ao devassar a vida de Dona Fideralina, traz embutida em sua biografia, a própria história de Lavras da Mangabeira. O que acontece é que tanto a cidade quanto a velha matriarca possuem histórias que se confundem. Ambas passam por momentos fulgurantes em que a modernidade veio entrar em suas vidas. Um desses momentos responde pela chegada do trem a Lavras. Esse acontecimento mudou a vida dos moradores. Depois Dona Fidera que antes era transportada na liteira carregada pelos escravos, passou a se deslocar para a cidade e distritos em um cabriolé.

Fideralina Augusto Lima possui uma biografia que impressiona. Daí que qualquer livro que retrate sua saga guerreira vai levar o leitor a concluir que seu nome pode figurar entre as mulheres mais poderosas do Brasil. Seu poder extrapolou os limites lavrense e se espraiou pelo Nordeste, com reflexos pelo resto do país através de seus descendentes que herdaram seu gosto pela política. Nos dias atuais dois de seus descendentes são senadores. Um deles, inclusive, como presidente do Senado. A velha senhora pariu um estirpe e ao mesmo tempo, impôs-se majestosa, em um mundo dominado pelos homens, sendo ela a mais forte personalidade entre eles.


FONTE: Diário do Nordeste - 09/11/2018.


 

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