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A falta que o tempo faz

Batista de Lima



Deus pede estrita conta do meu tempo, / É forçoso do tempo já dar conta: / Mas, como dar, sem tempo, tanta conta / Eu que gastei sem conta tanto tempo!´ Assim se apresenta o primeiro quarteto do soneto de Laurindo Rabelo, ´O tempo´. Esse poeta levou vida boêmia, no Rio de Janeiro, durante o reinado de D. Pedro II. É tanto que certa feita recebeu, do Imperador, um terno novo para poder participar de uma solenidade em palácio. Na hora do evento um mensageiro de Laurindo trouxe de volta o terno, que foi devolvido ao Imperador. O autor desses versos levou uma vida dissoluta, mas concluiu que gastou sem conta tanto tempo. Parece que, para Laurindo Rabelo, não valeu a dica do jovem de hoje que apregoa: ´Curta a vida, que a vida é curta´. Ninguém melhor do que o poeta para servir de exemplo de quem curtiu a vida mas que ao final não foi suficiente. Por isso é que até hoje essa questão quebra a cabeça de escritores e filósofos. Heidegger e Santo Agostinho mergulharam nessa discussão mas não encontraram terra nos pés. Os narradores, quando se desenganaram na utilização do tempo cronológico, nas suas obras, passaram a utilizar o tempo psicológico, como forma de criar um fundo sem fundo, uma perspectiva sem limite para encarar o tempo. O tempo virou uma subjetividade. Para o estudante de Direito, de 20 anos, Thiago Sales, ´o tempo é sempre caridoso para aqueles que sabem apreciar a vida´. Mas não sabe, o estudante, qual a melhor fórmula de apreciação da vida. Talvez, segundo ele, através da esperança, aquela virtudezinha que ficou esquecida no fundo da caixa de Pandora. E aí arremata com essa tirada que não sei se é dele ou de outro: ´Um homem chegou e disse: ´Perdi a esperança!´. Deus respondeu: ´Perdi um homem´´. Para o jovem, essa saída pela porta da esperança é válida e isso nos remete ao famoso soneto ´Contraste´, do Padre Antônio Tomás, quando ele diz que nos tempos de rapaz, as esperanças vão conosco à frente e os desenganos vão ficando atrás. Acontece que no final do soneto ele sentencia que a existência é por demais falaz, tendo em vista que, na velhice, são os desenganos que vão conosco à frente e as esperanças vão ficando atrás. Um grande desafio, para nós viventes, está em conciliar o conflito que transportamos, verdadeira guerra entre nosso tempo interior e o tempo exterior. Essa guerra se estabelece entre nossa subjetividade, nossas regras próprias e desregramentos, e a objetividade que nos vem de fora para dentro. Somos um campo de batalha entre esses dois tempos. E, nessa luta renhida, estamos na linha de fogo e somos a primeira vítima. O tempo tem sua relatividade. Uma hora na manhã de domingo não tem a mesma duração da mesma hora da segunda-feira. Nossa mente elastece ou encurta esses momentos. Os últimos minutos de uma decisão da copa do mundo de futebol não têm a mesma duração para o torcedor do time que está ganhando por um a zero e para o torcedor do time que está perdendo. O tempo entre nossa mão na chapa quente e nosso pé na água fria não se mede por igual. Interessante pois é a conclusão de Raphael Holanda, também estudante de Direito. ´O tempo é algo que nos vence sem nem questionar, algo que nos mata sem nem nos tocar´. E termina partindo para indagar diante do tempo, porque a criança sonha em ficar adulta e o adulto sonha em voltar a ser criança. Diante de tudo isso, pergunta-se se o ideal para enfrentar o poder corrosivo do tempo é seguir o ´carpe diem´ horaciano. Aproveitar esse tempo na forma como ele se nos apresentar. Para alguns, a primeira dica para aproveitar o tempo, é dormir pouco. Para outros é se divertir e levar uma vida dionisíaca. O segundo quarteto do poema de Laurindo Rabelo assim diz: ´Para ter minha conta feita a tempo/ Dado me foi bom tempo e não fiz conta:/ Não quis, sobrando tempo fazer conta,/ Quero hoje fazer conta e falta tempo./´ Quando o poeta quer aproveitar o tempo, já não há mais tempo. A sabedoria da maturidade não corresponde à inexorável marcha devastadora do tempo. Vingança é uma forma preguiçosa de sofrer, porque ela se enrama no tempo e o tempo é uma contaminação que contraímos quando nascemos. Laurindo Rabelo se vingou do tempo e descontou, inclusive no Imperador. Formado em Medicina, podia ter ampliado essa vingança cuidando da saúde dos circunstantes. Mestiço e desengonçado, corroído antes do tempo, preferiu matar esse tempo na boemia e poetizar seu mal-estar. Daí vem seu paradoxal primeiro terceto: ´Ó vós que tendes tempo sem ter conta,/ Não gasteis esse tempo em passatempo,/ Cuidai enquanto é tempo, em fazer conta.´/ É evidente que esse ´fazer conta´ é do próprio tempo, coisa que o poeta não fez. Ele prega uma racionalidade no encarar do tempo, mas seu exemplo de vida foi exatamente o contrário. Apelidado de ´poeta lagartixa´, por sua compleição física, morreu com apenas 38 anos, em 1864, mas deixou uma poesia amarga, pessimista, revoltada, atrevida, como resultante de uma alma em permanente conflito. Mesmo assim, um dia sentiu a falta que o tempo faz. Por isso concluiu o soneto dizendo: ´Mas, oh! Se os que contam com seu tempo/ Fizessem desse tempo alguma conta./ Não choravam, sem conta, o não ter tempo.´ Para Drummond, o tempo é tudo, mas pode ser simplesmente uma cadeira ao sol, e nada mais. No entanto, depois de muito cismar a vida, ele afirma que ´todo o universo é um hipocampo no mar celeste do tempo´. O tempo é tão insensível, que mesmo sendo abordado, mesmo sendo estudado por nós, ele não para ao nosso apelo e passa de passagem sem nos dar atenção.

 

09/12/2008.

 


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