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A escritura de Lúcia Miguel Pereira


Batista de Lima



Foi na década de 1930, com a fundação da Editora José Olympio, que também era livraria, que surgiu um novo ponto de encontro da intelectualidade carioca. Quatro mulheres intelectuais ali se encontraram e solidificaram duradoura amizade. Eram Rachel de Queiroz, Adalgisa Nery, Dinah Silveira de Queiroz e Lúcia Miguel Pereira.

Em um mundo até então marcado pela presença masculina, essas quatro senhoras escritoras, unidas, se impuseram com talento e garra, mostrando que não era apenas a cozinha o lugar da mulher moderna.

Entre essas quatro escritoras, o Ceará estava muito bem representado por Rachel de Queiroz, que trazia na bagagem o sucesso de sua obra de estreia, "O Quinze". Entretanto, o Ceará viria também a contar com empenho fundamental de Lúcia Miguel Pereira para a publicação em primeira edição do livro "Dona Guidinha do Poço", de Manuel de Oliveira Paiva, em 1952, sessenta anos depois da morte desse escritor cearense. Lúcia conseguiu os originais com o poeta cearense Américo Facó, que por sua vez os havia conseguido de Antônio Sales, que havia copiado da viúva do autor, que lhe negava a guarda dos originais.

Esse é apenas um item da rica biografia de Lúcia Miguel Pereira, agora escrita e publicada por Fábio de Sousa Coutinho com o título "Lúcia, uma biografia". Editado pela Outubro Edições, neste 2017, o autor utiliza 178 páginas para acompanhar a trajetória de Lúcia nos seus 58 anos de vida. Afinal, nascida em Barbacena, em 1901, viria a morrer em 1959, juntamente com o marido, em um acidente de avião em que morreram 42 pessoas, inclusive o cearense Luciano Carneiro, famoso repórter fotográfico e correspondente internacional da revista "O Cruzeiro". O Viscount da Vasp vinha de São Paulo para o Rio quando na aterrissagem foi atingido por um Fokker da FAB, em treinamento.

Na noite anterior ao acidente, Lúcia Miguel Pereira e seu marido, o também intelectual Octávio Tarquínio de Sousa, haviam jantado na casa do casal Antônio Cândido e Gilda de Melo e Sousa. O professor Antônio Cândido era primo de Lúcia. No dia seguinte, o casal, ao se deslocar para pegar o avião, foi apanhado no hotel e conduzido até ao aeroporto por Sérgio Buarque de Holanda e sua esposa Maria Amélia. Esses dois encontros, na véspera e no dia do fatídico acidente, com dois dos mais festejados intelectuais brasileiros, demonstram quão Lúcia Miguel Pereira era respeitada no meio literário brasileiro.

Esse respeito, Lúcia angariou com sua atividade de pesquisa literária que promoveu ao longo dos anos. Primeiramente escreveu uma das mais completas biografias de Machado de Assis. Afinal ela uniu aos dados biográficos sua visão crítica da obra do Bruxo do Cosme Velho. "Machado de Assis (Estudo crítico e biográfico)", de 1936, da Companhia Editora Nacional, deu mais visibilidade ao empenho da escritora que já vinha militando em torno da literatura desde os tempos de aluna do Colégio Sion, em que estudava a elite carioca da época. Aos 35 anos, ao lançar esse livro que Fábio Coutinho nomeia de "seminal", Lúcia Miguel Pereira consagrou-se como respeitada pesquisadora de nossa literatura.

Outra criteriosa pesquisa encetada por Lúcia Miguel Pereira foi em torno de Gonçalves Dias. Dessa pesquisa nasceu "A vida de Gonçalves Dias", "contendo o diário (inédito) da viagem de Gonçalves Dias ao Rio Negro (15 de agosto a 5 de outubro de 1861), publicado em 1943 pela José Olympio". Essa escolha por estudar a obra do maior escritor maranhense e antes a do Bruxo carioca, segundo Fábio Coutinho, havia razão de ser. Tanto Machado de Assis como Gonçalves Dias, além de geniais escritores, máximes de seus estilos e de suas épocas, ambos eram pardos com os mesmos sinais de mestiçagem que sinalavam também na ensaista Lúcia.

Fábio de Sousa Coutinho realizou essa pesquisa em torno de Lúcia Miguel Pereira movido pela curiosidade de pesquisador, mas também incentivado por afinidades parentais com os intelectuais envolvidos como Afrânio Coutinho, Antônio Cândido e a própria Lúcia. Por isso que para dar maior brilho a seu livro contou com os comentários auriculares de Ana Miranda, a contracapa de Danilo Gomes e o prefácio do conceituado escritor Anderson Braga Horta. Nesse Prefácio, Anderson transpõe para o texto dados biográficos reveladores da atuação de Fábio Coutinho no mundo literário e no mundo jurídico, tendo em vista sua atuação como advogado.

Fábio Coutinho é membro efetivo da Academia Brasiliense de Letras e tem escrito crônicas, além de livros sobre o Direito. Acontece que esse livro, "Lúcia, uma biografia de Lúcia Miguel Pereira", vem carregado de afeto do pesquisador por conta de parentescos entre os dois.

Além disso há o fato de que a biografada merecia essa pesquisa agora publicada, há muito tempo. Também o biógrafo procurou mostrar facetas da personalidade de Lúcia, como a firmeza temperada por uma doçura incomparável. Assim, pode-se dizer que Fábio Coutinho resgatou do esquecimento esta escritora a quem muito deve a literatura brasileira.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 29/08/2017.


 

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