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A escola de quarteirão

Batista de Lima



Sempre que se fala em escola de tempo integral, os governantes municipais e estaduais alegam a impossibilidade financeira da implantação de um projeto desse tipo. O que sugerimos, no entanto, não é uma implantação total do tempo integral, mas sim, a implantação nos locais mais necessitados A criação do projeto Ronda de Quarteirão, quando concretizado em forma de carros modernos e policiais bem vestidos, levou-me a imaginar um projeto bem anterior que poderia ser chamado de Escola de Quarteirão. Não no sentido de se construir uma escola para cada quarteirão, como também não se colocou um carro de polícia para cada quadra habitacional. O que poderia ter sido feito, muito antes do projeto do atual governo, para coibir a violência, era, em governos anteriores, criarem-se escolas como prevenção para não se criarem cadeias. Há muito tempo já se sabe que a escola ideal é aquela que proporciona ao aluno, tempo integral de atividades nas suas dependências. O aluno chegaria à escola, às sete horas da manhã e retornaria para sua casa às dezoito horas. Nesse tempo todo ele teria suas aulas formais, teria tempo para fazer seus deveres, praticaria esportes e faria cursos outros atinentes às suas habilidades já detectadas por psicólogos e pedagogos. Durante o dia, enquanto os pais estivessem no trabalho, as crianças estariam na escola. À noite todos estariam reunidos em casa com os pais cuidando da complementação da formação e da vigilância dos filhos. É bem verdade que seria oneroso para os governos municipal e estadual arcar com os encargos financeiros que esse projeto necessitaria. No entanto, há experiências já no nosso estado de algumas poucas escolas que assim funcionam e que têm alcançado um visível sucesso. É pois um projeto a médio e longo prazos, mas que poderia já vir sendo implantado parceladamente ao longo dos anos. Para isso, os meios de comunicação vêm informando, baseados em estatísticas, os bairros da capital e as cidades do interior onde a violência é mais devastadora. A solução não é apenas policial. A punição apenas não tem resolvido. Detectado o bairro onde maior é a incidência de crimes, instale-se uma escola de tempo integral, de ensino fundamental, patrocinada pela Prefeitura, e uma escola de ensino médio da rede estadual de ensino. Retirem todas as crianças e adolescentes da rua e coloquem-nas nessas escolas que o ronda de quarteirão vai ter pouco trabalho. O projeto Ronda do Quarteirão, de início, criou uma sensação de segurança na população e espantou um pouco os criminosos. Com o tempo, no entanto, a violência voltou aos patamares anteriores à implantação do projeto, e a cada dia a confiança da população no aparelho repressivo vai diminuindo. O narcotráfico cresce entre os jovens porque os encontra na rua, sem o que fazer e sem perspectiva de vida. A pessoa enfraquecida está mais vulnerável ao vírus da marginalidade. O dinheiro fácil do comércio das drogas, bem como o consumo desenfreado dos entorpecentes desviam a garotada de um rumo mais construtivo que nossa deficiente educação não lhe proporciona. Houve um tempo em que a criança tinha em casa a presença da mãe como responsável pela delimitação de seus passos, enquanto o pai estava no mercado de trabalho. Com o passar dos anos, essa mãe também teve que ir ao trabalho e a criança ficou só e desamparada no seu momento mais importante de formação de seus caracteres para futuro cidadão. Ficou à mercê de babás, às vezes, ou simplesmente entregue às más companhias que vão se formando nas ruas. É evidente, por exemplo, que numa cidade grande como Fortaleza, esse fenômeno muda de aspecto de bairro para bairro. Não se pode comparar a Aldeota, o Meireles e o Dionísio Torres com alguns bairros periféricos, em que a mídia diariamente mostra o rastro de violência, e a densidade populacional é muito maior. A escola de quarteirão seria a prevenção que evitaria de assistirmos muito mais solenidades de inauguração de presídios que de escolas. Depois, os nossos sinais de trânsito estariam desocupados de tantos flanelinhas e pedintes mirins que sabemos estarem a um passo da marginalidade. É preciso prevenir para não punir. Numa escola em que a criança teria o almoço, e os dois lanches da merenda escolar, ela voltaria para casa alimentada e portando os conhecimentos ministrados. Nos fins de semana a escola seria aberta para a comunidade onde pais e mães se encontrariam para confraternizações e a prática de esportes e artes, com uma biblioteca aberta à visitação. A escola se transformaria em centro comunitário, e o cidadão passaria a zelar por aquele importante equipamento como um bem seu e de sua comunidade. É pena, hoje, sentir entre nossos alunos de licenciatura, aqueles que estudam para ser professor, o desestímulo que adquirem quando os colocamos para estagiar em certas escolas. Eles voltam assombrados com o perigo em que vem se tornando o magistério em escolas periféricas do ensino público. O aluno desaprende na rua, o pouco que aprende na escola. O grupo gestor de cada escola vive em permanente aflição por conta do tipo de aluno com que trata. Pelo portão de entrada da escola entra o aluno mas entra também o que há de pior na rua. Sempre que se fala em escola de tempo integral, os governantes municipais e estaduais alegam a impossibilidade financeira da implantação de um projeto desse tipo. O que sugerimos, no entanto, não é uma implantação total do tempo integral, mas sim, a implantação nos locais mais necessitados. Afinal, o investimento em educação não será necessariamente revertido em sucesso a curto prazo. É um projeto que extrapola em tempo, as limitações dos mandatos políticos. Isso leva à necessidade de que um governo ao assumir seu mandato, antes de implantar projetos novos, dê continuidade aos projetos anteriores. Até parece que os governantes estão convencidos de que só se impõem no poder, se destruírem os projetos anteriores de seus adversários políticos para começar tudo de novo. Essa falta de continuidade leva-nos à conclusão de que a escola de quarteirão não será produtiva se não houver uma permanência de atitudes de governo para governo, mas que seria uma das principais soluções para diminuir a violência de nossa cidade, não temos dúvida. Afinal, se um dia tivéssemos criado a escola de quarteirão não teria sido necessária a criação da ronda de quarteirão.

 

27/10/2009.

 

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