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A Coleção Airton Queiroz

Batista de Lima




Uma leitura da mostra "Coleção Airton Queiroz" permite variadas vias de interpretação. A primeira e mais tradicional se efetiva quando se segue uma linha cronológica, iniciando-se no século XVII, até nossos dias, vinculando-a à nossa história oficial: Colônia, Império, primeira República, atualidade. Seguindo esse roteiro, percebe-se que as três primeiras décadas da centúria passada estão mais bem representadas que outros períodos de nossa história. Foi o momento em que as artes plásticas, a literatura e a música deram-se as mãos e promoveram a revolução modernista inicial.

Uma segunda via pode-nos levar à identificação das relações dessa arte com cada momento histórico no qual ela foi elaborada. Quando O Aleijadinho está posto com sua escultura ao lado de Post, o Brasil holandês com sua arte mais antropocêntrica consegue dialogar com o lado sacro do artista mineiro, mesmo este retratando um teocentrismo ainda vigente. Esse embate característico do Barroco é tão histórico quanto didático para entendermos aquele momento da nossa formação como nação.

Logo em seguida vêm Debret, Rugendas e Parreiras, revelando a exuberância de um Brasil que o Romantismo teve a felicidade de mostrar. Lições de nossa antropologia saltam das telas e nos proporcionam ensinamentos de brasilidade.

O grupo modernista, ao aparecer, estabelece a leitura de uma ruptura. Os modelos anteriores são deixados de lado e uma nova fala se impõe por um atrevimento estético que culminou com a "Semana de fevereiro de 1922", dando novos rumos às artes brasileiras.

Anita Malfatti, Tarsila do Amaral e Lasar Segall inauguram uma tendência que conta ainda com Cícero Dias, Antônio Gomide e Vicente do Rêgo Monteiro como continuadores. Quanto a Di Cavalcanti e Portinari, são casos especiais, pois sozinhos já dariam uma exposição. Uma visão mais fácil de captar fica por conta da organização da mostra, segundo a instalação pensada pelos três curadores: Fábio Magalhães, José Roberto Teixeira e Max Perlingeiro.

Dividida a exposição em cinco eixos, ela se processa com: "Do Brasil Holandês à República", "Modernismo", "Abstração", "Contemporâneos" e "Presença Estrangeira". Essa disposição das obras leva o espectador a viajar pela história de uma forma didática tão bem elaborada que, à exceção da "Presença Estrangeira", o Brasil vai mostrando sua face real em cada momento apresentado.

Há também aquela leitura particular de cada visitante que, independente da forma preconcebida de ver a exposição, possui seu gosto pessoal, a partir do que toca sua sensibilidade. Às vezes um quadro provoca na pessoa um alumbramento que não provoca em outrem. Assim, "Moça bordando", de Raimundo Cela, me traz emoções mais profundas, pela sua singeleza e evocações de infância, do que as tintas carregadas de um Marc Chagall. Uma mulher olhando o mar de um Pancetti pode me dar uma visão mais curiosa que as tintas escuras de um Iberê Camargo. Nossos olhos, como janelas da alma, também possuem suas escolhas, suas leituras.

É evidente que mais uma leitura pode ser feita, levando-se em conta o valor de mercado de certas obras, principalmente sob o ponto de vista midiático. "Gabrielle et Jean Renoir", de Renoir, impressiona não apenas pelo seu aspecto lírico, mas prioritariamente pelo seu valor como raridade em uma coleção particular, dado seu altíssimo valor de mercado.

O mesmo pode-se dizer de "Vaso com flores", de Guignard, entre os brasileiros, ou os muitos quadros de Portinari ali expostos. Isso tudo sem contar a presença na exposição de um raríssimo Salvador Dalí, de Monet, e dos disputadíssimos latinos Diego Rivera e Botero.

Essa exposição, no entanto, valoriza didaticamente o centenário da nossa independência, cujos festejos culminaram com a Semana de Arte Moderna. Essa é a culminância.

Há casos curiosos, como o abstracionismo de Antônio Bandeira e Volpi, que estão ali trazendo também um viés construtivista e que se impõem pela qualidade e pela quantidade, verdadeiro tesouro. Leonilson e Sérvulo Esmeraldo, juntamente com Bandeira e Cela, formam o quarteto cearense da mostra e provocam em nós a ousadia de sugerir que, em dezembro, quando se encerrar essa bela exposição, outra seja montada com o acervo que não apareceu agora. Afinal, sabe-se que essas 250 obras especiais ali postas correspondem a uma parte da pinoteca do chanceler Airton Queiroz.

Além disso tudo, há um mérito em torno dessa exposição da Coleção Airton Queiroz: além da coleção particular ser posta à visitação pública, há o empenho em conduzir alunos de escolas estaduais e municipais a visitá-la e participar da oficina de pintura ali instalada.

Essa preocupação social e educativa no seio da Universidade de Fortaleza abre as portas do campus para uma extensão dessa visita. A Unifor, ornamentada com sua exuberante flora - como uma grande tela impressionista, em que pontificam também variados componentes da fauna - está nesse momento exibindo na sua dimensão mais alta, literalmente, um grande ninho onde se fecundam arte, cultura e aprendizagem.


FONTE: Jornal Diário do Nordeste - 26/07/2016.


 

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