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A celebração da vida

Batista de Lima



A celebração da vida é uma das mais difíceis tarefas. Só em ser considerada uma tarefa, já diminui seu teor de celebração. Tarefas são regradas, celebrações nem sempre precisam de normas. Por isso que ficamos sempre na dúvida se enveredamos pelos labirintos do ´labor omnia vincet´, ou mergulhamos de ponta no ´carpe diem´ horaciano. Se ficamos comprometidos com Apollo ou nos abraçamos a Dionisius. Se optamos pelo negócio ou nos dedicamos ao ócio. Essas dúvidas são postas em reflexão no livro “Ócio para viver no século XXI”, organizado pelos professores Manuel Cuenca Cabeza e José Clerton de Oliveira Martins. São 338 páginas de ensaios, da editora As Musas, onde se apresentam, além dos organizadores, os ensaístas Ana Goytia Prar, Aurora Madariaga Ortúzar, Cássio Adriano Braz Aquino, Eduardo Aguilar Gutierrez, Erotilde Honório, Henrique Figueiredo Carneiro, Ieda Rhoden, Jaime Cuenca Amigo, Maria Luísa Amigo Fernandez de Arroyabe, Mônica Mota Tassigny, Roberto San Salvador del Valle Doistua e Viktor D. Salis. O tema geral dos ensaios gira em torno da compreensão e da vivência em torno do ócio. E os principais ensaios surgiram sobre pesquisas do Instituto de Estudos do Ócio, da Universidade de Deusto, em Bilbao, na Espanha. Para o professor Manuel Cuenca Cabeza, as bases do ócio humanista estão no florescer da civilização ocidental. Por isso que se torna instigante o ensaio ´Ócio: da antigüidade ao século XXI´, de Viktor D. Salis. Ele começa vasculhando o mundo grego para nos mostrar que ´O Ócio Criador, praticado no período arcaico, tinha por finalidade ensinar os homens a imitar os deuses. Aos homens era vetado intervir na natureza e na vida, já que isso era considerado uma afronta aos deuses.´ Com o tempo, no entanto, o homem foi se tornando tributável e começou a negar o ócio o que deu origem ao negócio. Negociante é quem nega o ócio e um dos momentos mais negociantes da história foi a Revolução Industrial, porque negou o ócio e privilegiou o negócio. Partindo da antiguidade clássica para chegar aos nossos dias é interessante saber como se instaura o ócio para uma população pobre de um pequeno lugarejo do sertão do Ceará. Para isso é conveniente a leitura do texto ´Ócio, trabalho e Saúde: Uma relação de ócio, trabalho e saúde: uma relação de interdependência´, da professora Erotilde Honório. Ela começa pela antigüidade, para mostrar que o trabalho era função de escravos e servos e vai chegar a Guassussê, no sertão do Ceará, para nos mostrar como naquela pequena comunidade, as pessoas empregam seu tempo livre. A pesquisadora aponta o momento da chegada do rádio em 1960, para aquele povo, depois a televisão e por fim a internet. Mas anterior a tudo isso e também ao mesmo tempo, as conversas das calçadas, as festas sacras e profanas, leilões, cantorias, as danças, a freqüência ao engenho de rapadura, sempre com mais visitantes que trabalhadores, as debulhas de feijão e as emboladas. Tudo isso se constituía motivo de celebração para o povo de Guassussê. Por fim ela conclui que ´a plenitude da atividade humana apenas pode ser alcançada, quando nela coincidem, e se mesclam o trabalho aprendizagem, o lúdico e a celebração, isto é, quando trabalhamos, aprendemos, e nos divertimos, tudo junto, tudo ao mesmo tempo´. Outro ensaio bastante instigante da coletânea é ´Educação para o Ócio no Trabalho: potencializando sujeitos para a vida´, de José Clerton de Oliveira Martins. Do seu texto extraímos conclusões várias a respeito do trabalho e do ócio. Não se tem dúvida de que por toda a vida, somos preparados, instruídos para trabalhar, não somos preparados para o ócio. Somos preparados para um terço do nosso tempo que é ocupado com o trabalho. E como aproveitar os outros dois terços do cotidiano em que não se está no ambiente organizacional? Mesmo que haja uma preparação para esse tempo de ócio, ela é fundamentada na lógica do tempo de trabalho. Foi a partir dessa encruzilhada que o Instituto de Estudos de Ócio, da Universidade de Deusto, dedicou importantes esforços ao estudo da educação do ócio, e o Professor Clerton lá estava fazendo parte deste importante laboratório. Professor do Mestrado em Psicologia da Universidade de Fortaleza, Clerton Martins sentiu a necessidade de, entre os ensaios sobre o ócio, colocar uma leitura psicanalítica sobre o assunto. Foi então que teve a acertada idéia de convidar o Doutor Henrique Figueiredo Carneiro, coordenador do curso, para discertar sobre o tema: ´O ócio subjetivo: aportes para uma leitura psicanalítica´. O professor Henrique Figueiredo respalda seu trabalho com indicações de textos freudianos, para focar ´as dificuldades da meta principal do homem: o alcance e a permanência no estado de felicidade´. Logo em seguida ele afirma que o objetivo da sua reflexão ´é a relação, direta ou indireta, existente entre trabalho de vida e trabalho de morte, bem como sua relação com o investimento de amor que é feito em função do objetivo pretendido´. Para ele, o ócio na atualidade enfrenta o desafio de conseguir a transformação do ócio nocivo em ócio subjetivo. Por fim, à guisa de posfácio, a professora Mônica Mota Tassigny nomeia de ´A subjetividade e as categorias sociais do ócio, do tempo livre e da educação´, sua apreciação sobre o conjunto de ensaios do livro. A sua preocupação é mostrar as ´imbricações existentes entre ócio, tempo livre e subjetividade, na contemporaneidade´, sob a ótica de cada um dos ensaístas. Ao final da sua garimpagem, ela conclui que ´o homem contemporâneo se vê dividido entre as obrigações impostas por suas atividades laborais e o desejo de libertar-se dessas tarefas e, assim, poder usufruir de um tempo para si, para o exercício do ócio criador, para além dos pressupostos que a educação convencional atrelou ao mercado´. Além dessas idéias aqui sussitadas a partir da leitura do livro, é bom que se destaque ainda, como ponto alto da coletânea, o ensaio ´Ócio Humanista´, de Manuel Cuenca Cabeza, quando ele faz uma ponte entre o ócio para os gregos e o ócio nos dias de hoje com suas intersecções; e o texto ´Ócio: da antiguidade ao século XXI´, de Viktor D. Salis. O trabalho do professor D. Salis, pela sua erudição e pelo cabedal de conhecimentos da antigüidade clássica que transmite, representa a culminância do livro. Se alguém não tem fôlego suficiente para um mergulho total nesse livro e quer mergulhar exatamente na maior profundidade que ele apresenta, pode escolher o ensaio do professor D. Salis e se jogar de cabeça, que não há risco de faltar vastidão para o mais exigente dos leitores.

 

20/01/2009.

 

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