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A Belle Époque Sobralense

Batista de Lima


Pode-se dizer que a Belle Époque Sobralense teve uma duração de 50 anos, de 1880 a 1930. A cultura francesa desembarcava no porto de Camocim, percorria 130 km e se instalava na cidade de Sobral. Esse período se tornou marcante para a formação da sociedade local e para o desenvolvimento da região. Sobral se ligava muito mais com a Europa do que com a capital Fortaleza. Essa constatação se conclui após a leitura de "Sociabilidade e Cultura das Elites Sobralenses".

A autora do livro é Elza Marinho Lustosa da Costa e a edição foi feita pela Secult (Secretaria de Cultura do Estado do Ceará) neste 2011. Logo no início ela mostra a influência francesa sobre a constituição da elite sobralense a ponto de logo no ingresso naquela cidade, o visitante se deparar com o Arco do Triunfo, similar do existente em Paris. Depois há o costume de apelidar as ruas mais largas de "boulevard" e de colocar nos filhos, nomes de personagens famosos da história francesa. Para esse afrancesamento da sociedade sobralense tem grande importância o porto de Camocim por onde chegava a França a Sobral, e a inauguração da estrada de ferro ligando as duas cidades desde 1881.

O fausto dessa cidade, hoje com 150.000 habitantes, teve ao longo dos anos duas pilastras de sustentação, a pecuária e a influência religiosa a partir da criação do bispado em 1916. Todo esse brilho começou a sofrer um certo desgaste a partir da construção da rodovia que a ligou a Fortaleza no começo da década de 1930. Mesmo assim Sobral ainda é a cidade centralizadora da economia, da educação e do poder político da zona norte do Ceará. Por isso que o trabalho da professora Elza se preocupa em mostrar os primórdios dessa população, geralmente oriunda de Portugal, mas também os lances de miscigenação com os índios nativos o que não é enfatizado pela elite local.

Essa elite se formou também com a leitura. Uma das formas de divulgação dessa cultura letrada ficou por conta da imprensa. Daí que a obra apresenta um capítulo inteiro para mostrar a história e a natureza da imprensa sobralense. Uma das formas de conhecer Sobral passa pelo conhecimento de sua imprensa a partir de sua gênese. Daí que a pesquisadora garimpou, no período que vai de 1875 a 1940 a existência de 100 jornais na cidade. Cada corrente política possuía seu veículo de comunicação, em que os assuntos partidários eram os mais enfatizados. Dentre todos é bom que se destaque a atuação do jornal "A Lucta", de Deolindo Barreto, com sua linha de ataque desafiadora dos poderosos da cidade, a tal ponto de levá-lo a ser assassinado em 1924 com 54 tiros na Câmara Municipal.

Fatos como esse não caem no esquecimento do sobralense, haja vista a ampla bibliografia estudando a historiografia da cidade. Nesse ponto Sobral é cidade privilegiada, pois suas memórias são tão vasculhadas que não há outra cidade do interior cearense tão estudada quanto ela. A produção de sua memória começa em 1747 com os estudos de José de Xerez da Furna Uchoa. Logo em seguida vêm os escritos do padre Fortunato Alves Linhares e de Monsenhor Vicente Martins. Não se pode negar a importância do que escreveu Dom José Tupinambá da Frota, bem como o padre Francisco Sadoc de Araújo. João Mendes Lira também contribuiu com seus estudos. Além desses é bom que se leia a obra de Lustosa da Costa. Seus livros são voltados para o cenário histórico sobralense.

A essa galeria de estudiosos, acrescente-se agora Elza Marinho Lustosa da Costa com essa pesquisa toda baseada em dados trabalhados em linguagem científica, com o rigor exigido pelas teses universitárias. Prova disso é seu desempenho quando trata da questão do consumo das elites. A sociedade sobralense do período retratado esmerava-se nos rituais de consumo dos bens materiais que importava da Europa, mas tudo começava pela adesão aos bens simbólicos. Os costumes e o sistema da moda eram instaurados também a partir da leitura dos clássicos vindos da França. Outro elemento fundamental nessa disseminação ritualística ficou por conta da igreja. D. José Tupinambá da Frota foi um bispo com feições de príncipe da igreja europeia.

O poder de Dom José Tupinambá, como vigário e como bispo por mais de meio século em Sobral, estabeleceu na cidade uma duplicidade de mando que se dividia entre religião e política. De princípio era como se cristalizasse a dicotomia sacro e profano na divisão do poder local. É evidente que mais dia menos dia esses poderes se imbricariam e isso aconteceu quando o bispo projetou seu pupilo, Padre Palhano, a prefeito da cidade e a deputado federal. Nesse momento que foi efervescente nas disputas partidárias entraram em vigor as associações religiosas. Eram irmandades que ao longo do período que vai de 1752 a 1930 chegaram a somar uma dúzia e que algumas ainda hoje perduram nessa cidade moderna.

Essa cultura que oscila entre a base religiosa e a política também iria refletir no surgimento dos equipamentos de sua divulgação. A partir do surgimento do cinema na cidade a partir de 1912 a que só as elites tinham acesso, fez com que já em 1928 surgisse um outro cinema destinado aos populares e sob o beneplácito da igreja. A culminância dessa invasão do cinema convergiu para o surgimento do Cinema Glória como o melhor da cidade. Foi, no entanto, através do cinema que a Belle Époque sobralense arrefeceu em benefício da invasão da cultura americana.

Além do cinema a professora Elza lembra no seu livro a importância do Derby Club Sobralense e as famosas corridas de cavalo como sintoma de elitismo e cidade grande. Também é de se verificar o costume da elite da cidade, de deslocar-se nos meses de calor intenso para casas de veraneio nas fraldas da Serra da Meruoca. Toda essa efervescência lúdica do sobralense transpira glamour e é isso que demonstra a pesquisadora nesse seu livro documento que fazia falta entre tudo que já se escreveu sobre Sobral. Como sobralense, e também influenciada pelos eflúvios dessa Belle Époque tropical, não é de se admirar que entre as muitas fontes que compõem a bibliografia de sua pesquisa haja uma vasta relação de autores franceses. Isso prova que a influência francesa em Sobral ainda vai perdurar por muito tempo.


jbatista@unifor.br

30/08/11.

 

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