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  • Foto do escritorBatista de Lima

A basílica e a avenida

Batista de Lima


Dizem que o sonho do Padre Cícero era construir uma basílica no Horto, em Juazeiro. Seria um monumento religioso no ponto mais alto do entorno da cidade, uma verdadeira acrópole como acontecia na polis grega, na história antiga. Aquela casa de orações elevaria as pessoas para mais perto de Deus. Os fiéis, que para lá se dirigissem, teriam o privilégio de subir a serra como se escalassem a escada de Jacó ou o Monte Sinai ou ainda o Calvário. Os romeiros vibraram com a ideia e iniciou-se a campanha para a edificação do suntuoso templo que teria dimensões e beleza como a Capela Cistina.

O patriarca do Juazeiro, já combalido dos achaques da velhice e de doenças acumuladas, não contava mais com a ajuda de Floro Bartolomeu, falecido anos antes. Fato é que apenas algumas paredes foram erguidas e faltou dinheiro para a construção. O padre verberava da sua janela, mas a seca e os romeiros empobrecidos eram a causa dos parcos recursos para o grandioso empreendimento. Até que a edificação foi suspensa e as perguntas começaram a surgir. Todos queriam saber os motivos da paralisação. Foi aí que Padre Cícero, acossado por tantas dúvidas, resolveu dar sua versão da suspensão dos trabalhos. É que um anjo lhe aparecera, dizendo que se a igreja fosse concluída, o mundo ia se acabar.

Todo mundo acreditou na história e até hoje ninguém teve coragem de mexer com aquelas velhas paredes. O prefeito Mauro Sampaio mandou esculpir a grande estátua do santo padre, mas preservou o arcabouço inconcluso do que seria o grande templo da fé. Foi então que surgiu, em toda a região, um dizer que, passando de boca em boca, ainda hoje perdura: “Virou a Igreja do Horto”. Isso quer dizer: “Não termina mais”. Qualquer empreendimento demorado recebe logo o apelido fatal “Igreja do Horto”. Até a chegada das águas do São Francisco já foi chamada de Igreja do Horto. Uma vitória do Icasa ou do Guarani de Juazeiro, no futebol, também recebe a comparação.

Em plena Fortaleza atual, há quem cite a expressão para qualificar coisas intermináveis. Já disseram que o Aquário virou a Igreja do Horto. A última vez que ouvi a expressão foi ali próximo à Rodoviária de nossa cidade. Ia de táxi assistir ao meu Ferroviário ser desclassificado da série C do Campeonato Brasileiro e encontramos um princípio de engarrafamento na Av. Eduardo Girão. O motorista do táxi disparou: “Isso aqui virou a Igreja do Horto”. Foi então que curiosamente entrei nas perguntas. O motorista, rapaz seminovo, com uns quarenta anos de vida, aproximadamente, identificou-se como neto de romeira. Aprendera com a avó o uso da famosa expressão.

Além disso, esse motorista chamado Cícero acabou afirmando que há dez anos trabalha em táxi e nesse período toda aquela avenida está sempre com alguma interdição para reforma. E não é muito longa aquela artéria, além de possuir pouquíssimas residências. São repartições públicas, alguns comércios e imóveis abandonados como a antiga Cobal, cujo prédio se deteriora ano a ano. Não há explicação razoável para tantos problemas para uma avenida de tanto movimento, e que liga de leste para oeste a grande cidade de Fortaleza. Deve haver alguma explicação sobrenatural, algum caboge por ali, uma urucubaca de feiticeira raivosa.

Depois de muitas observações, concluímos que talvez a solução estivesse na mão de Deus. Assim, para desarmar a inquirizia ali plantada, seria interessante nesse aniversário de dez anos de buracos, organizar uma grande procissão, vinda pela esquerda e voltando pela direita. Na ocasião, com o cortejo de fiéis, seria espargida água benta nos locais sombrios com paradas para orações e cânticos. Talvez até a mudança de nome de Eduardo Girão para São Cristóvão, protetor dos motoristas, fosse a solução. Nesse momento, o trânsito parou de vez, paguei ao motorista e fiz o restante do trajeto a pé para não perder o jogo.


jbatista@unifor.br.

01/10/19.

 

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